Poema Dobrada à moda do Porto

Poema "Dobrada à moda do Porto" por Álvaro de Campos. Álvaro de Campos (1890-1935) é um dos heterônimos mais conhecidos de Fernando Pessoa. Nascido em Tavira, teve a educação de Liceu comum de sua época, posteriormente foi para a Escócia estudar engenharia mecânica, e depois engenharia naval. Em férias fez uma viagem ao Oriente onde escreveu o Opiário. Entre todos os heterônimos, Campos foi o único a manifestar fases poéticas diferentes ao longo de sua obra. Era um engenheiro de educação inglesa e origem portuguesa, mas sempre com a sensação de ser um estrangeiro em qualquer parte do mundo.

Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...
(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.


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